O Judaísmo e o monoteísmo ético[1]

Em nossas aulas de História, com o professor André Bacci, os alunos do 1º ano do Ensino Médio têm estudado as civilizações do Antigo Oriente Próximo. Destas, os judeus são a única que ainda existe em moldes bastante próximos aos que têm precedido o judaísmo atual. Neste sentido, cumpre mencionar que o conceito que, mais que qualquer outro, tem servido de esteio a esta durável cultura, é a concepção de D-us[2] do monoteísmo ético.

Embora o monoteísmo antigo não seja exclusividade de Israel[3], é no judaísmo que o monoteísmo assume feições peculiares. Diferentemente de outras formas de monoteísmo, o monoteísmo de Israel não procurava – como não procura – o ser da divindade, chegando mesmo a proibi-lo, conforme atesta o segundo mandamento da lei mosaica. Nunca foi exigido de Israel conhecer a D-us, senão fazer Sua vontade. O que o estudioso Walter Rehfeld chama de “monoteísmo ético”, nega, portanto, a legitimidade da teologia como estudo dos atributos de D-us. O que importa ao monoteísmo ético não é como D-us pode ser, mas como o homem, a sociedade e a cultura deveriam ser segundo as diretrizes de D-us.
A divindade que revela sua vontade ao homem é ética e por isso mesmo única. Ora, qualquer norma moral é única. Por exemplo, o assassinato não pode ser uma coisa ruim e boa ao mesmo tempo. Consequentemente, a vontade de D-us só pode ser uma e o D-us que a nutre é necessariamente único. Desse modo, em Israel, o monoteísmo só pode ser ético e o fato de ser ético retroalimenta a noção de unicidade de D-us.
No judaísmo, o homem deve imitar a D-us tomando sua lei (expressão de seu caráter) como norma prática do cotidiano, tal como descrita na Torá[4], para daí buscar o ideal máximo da religião israelita: ser a imagem e semelhança do D-us único que teria criado os homens e escolhido um povo único para o qual revelar-se.
O D-us do monoteísmo ético não é, porém, um D-us da teoria, uma divindade de filósofos ou cientistas. Seu ser está acima da compreensão humana, mas Sua vontade nos é revelada e se cumpre pela realização moral e social. Somos capazes de fazer Sua vontade, mas entendê-lo está acima de nossas capacidades, como imediatamente concluímos a partir da análise de Seus atributos: Sua onipotência e onisciência são de difícil conciliação com a Sua criação do homem como ser livre e responsável. Mas tanto estes atributos quanto a criação do homem em Sua semelhança são essenciais para o monoteísmo ético. Sem os primeiros não seria monoteísmo, sem a segunda, não seria ético.



[1] Este texto é baseado no primeiro capítulo da obra de REHFELD, Walter. Nas Sendas do Judaísmo. Perspectiva: São Paulo, 2003, intitulado “O Monoteísmo Ético”.
[2] Tomaremos aqui o cuidado de transcrever a palavra “deus”, quando nos referimos ao D-us de Israel, como reza a tradicional reverência judaica, ou seja, com inicial maiúscula e omitindo o “e”, trocando-o por outro sinal. Tal determinação existe em função do fato de, no judaísmo, esta palavra não poder ser apagada de modo nenhum. Assim, se por algum motivo o presente texto for apagado, a palavra “D-us” (com a letra “e” no lugar do hífen) não será apagada.
[3][3] No Egito, o Faraó Amenófis IV (1362-1333 a.e.c.), cognominado Akhenaton, instituiu o culto a Aton, deus único e todo-poderoso, provavelmente por motivos políticos.
[4] Do hebraico “instrução”. Pode ser traduzida como “lei”. Designa a lei mosaica e num sentido mais amplo, os cinco primeiros livros da Bíblia Hebraica.

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